terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O PAPA É POP E A IGREJA É HUMANA.

Quando Gregório XII renunciou ao Papado em 1415, a Igreja Católica buscava sair de uma crise iniciada em   1378, conhecida como Grande Cisma do Ocidente. Naquele momento a Igreja do Ocidente conviveu com três Papas. Um em Roma, outro em Avinhão (França) e ainda outro em Pisa. Entre 1414 a 1418 foi realizado o Concílio de Constança, como um esforço para retomar a unidade da Igreja Católica Romana. Diante de muitas disputas eclesiásticas e seculares o Concílio recomendou a abdicação dos três Papas e a eleição de um novo Papa de consenso geral. Assim, os Papas de Avinhão e Pisa (Benedito XIII e João XXIII, respectivamente) foram depostos e Gregório XII (de Roma), aceitando a decisão conciliar, abriu mão do Papado, sendo o último Papa a renunciar o papado, até 28 de fevereiro de 2013.

Sabemos o que levou a renúncia de Gregório XII, mas o que teria levado Bento XVI a tomar a mesma decisão? Deixemos isso para a história que será escrita e para as teorias conspiratórias, de repente Dan Brown escreve um novo livro.

Diante dessa notícia queria chamar a atenção para duas coisas: 

Primeiro. A Igreja Católica Romana é antes de tudo humana. Teologicamente o santo padre é o sucessor de Pedro e administrador do Reino de Deus na Terra e goza da doutrina da infalibilidade papal (definida no 4º capítulo da 4ª sessão do Concílio Vaticano I -1869-70 - durante o pontificado de Pio IX) Mas e antes? Era uma questão em aberto na Igreja romana. Era, em tese, mais fácil para um católico entender todo o conjunto de acontecimentos que levou a Igreja ao Cisma e a abdicação de Gregório XII. Pois havia teologias diferentes em jogo no seio da Igreja Apostólica. A Igreja era plural, ou melhor ela mesma se reconhecia como plural, convivia com várias formas de expressão do cristianismo, não necessariamente de forma harmoniosa. Para "harmonizar" a igreja, a partir da segunda metade do século XIX, há um movimento de romanização, trazendo a um centralismo do catolicismo cada vez maior e mais imposto à cristandade. Mas e agora? Como entender um papa que pede para sair? Já deram a resposta oficial, o pontífice reconheceu a sua limitação humana, isso é um gesto de grandeza. Como equacionar isso com a doutrina de infalibilidade papal? Vamos ver.

Simplificando a Santa Sé e o santo padre dizem o que é certo e errado. Porém, diante de tudo que os dogmas e a teologia católica afirmam, a Igreja é um Poder que opera no "mundo dos homens". Assim, tando no século XV como no século XXI, as causas que fizeram os sumo-pontífices renunciarem foram conjunturas históricas. Influenciadas por Deus ou não, dependendo da visão que cada um tem do agir de Deus. Mas para esta reflexão isso não importa. Se Bento XVI estiver saindo por problemas de saúde, ou por pressões de alas mais progressista da Igreja, o que fica é o seguinte: o Papa é um homem como outro qualquer e que vive em um mundo de pressões e influências sociais, culturais, econômicas e no seus caso, principalmente políticas. Além disso, a Igreja Romana é antes de tudo humana. Assim, como nós protestantes.    



Segundo, nós protestantes temos nossas origens também em Roma. Isso mesmo. Não somos uma Igreja à parte da história. Por mais que  isso incomode, essa é a realidade, somos fruto de um processo histórico ocorrido cinco séculos atrás, quando Lutero e outros reformadores encontram uma conjuntura propícia para iniciar uma nova igreja (ou novas igrejas). Levando-as a romperem com as raízes romanas. Porém o início da reforma é a partir da Igreja católica. Claro que com um discurso de retorno às origens da fé, mas o ponto de partida da Reforma é a própria igreja romana. Para nós não importa quem irá assumir o novo pontificado, pois somos de outra tradição. Porém aproveito o ocorrido para levantar esta reflexão sobre nossa própria identidade que tende a negar tudo que diz respeito ao catolicismo.  Teologicamente, o catolicismo e o protestantismo tem divergências, no entanto, não se trata somente de questões teológicas ou dogmáticas,  nossa identidade  protestante foi e é construída e constituída por um processo histórico e isso implica interesses e tensões sociais, políticas, econômicas culturais e teológicas. Pois o catolicismo conviveu com tensões muito mais complexas como as diferentes ordens com suas organizações próprias, ou a própria tensão entre clero regular (pertencentes à ordens) e secular (parte das paróquias, dioceses, etc). Porém, dentro da Igreja romana isso foi resolvida pela aceitação da tradição como sendo também a Palavra de Deus. Ou seja é a tradição que decide o certo e errado. Até o meados do século XIX haviam uma tensão entre os conciliares - entendiam que pontos discordantes deveriam ser decidido por concílios, onde o papa não decidiria sozinho - e os adeptos da infalibilidade papal, onde o papa decide. Essa tensão não acaba com a aceitação da infalibilidade, mas ainda é consenso no interior da Igreja.

Mas aí você pergunta: e daí? Daí que o entendimento da humanidade no processo de formação de nossas Igrejas nos ajudam a respeitar nossos erros históricos, sem querer apagá-los ou legitimá-los, além disso, também aprendemos a respeitar nossos irmãos de fé cristã (e os de outras religiões) buscando entender como foram construídas nossas diferenças e a quem interessa salientá-las. Alguns podem concluir que estou defendendo o ecuminismo cristão. Claro que não, estou apenas chamando a atenção para a necessidade de vermos a igreja como um organismo humano, parte de um processo histórico cheio de "pormenores" que muitas vezes fogem ao nosso olhar. Assim, em um mundo de relativismo ser católico, batista, presbiteriano, assembleiano, etc, não importa tanto, precisamos marcar nossa denominação e nossa sociedade sendo verdadeiramente CRISTÃOS. 

Se o próximo papa for mais progressista do que esse, ou se vai aceitar o "mudanças" que a sociedade exige da Igreja, não sabemos, mas uma coisa é certa: o papa continuará sendo pop e o pop não poupa ninguém. 
Pr. Cezar Uchôa Júnior

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